sábado, 17 de abril de 2010

Jeitinho brasileiro

O estado era crítico.

Atropelaram um menino numa bicicleta de barra circular, ainda com a camisa da papelaria onde trabalha, perdeu R$ 2,00 que viriam a comprar seu almoço.

Eu era o menino.

Abri os olhos e logo senti o cheiro de álcool. Cheiro de hospital. Sozinho, sonolento. O hospital é público, e a comida acompanha o mesmo ritmo.

— Será que vocês poderiam me dar algo que esteja quente?
— Será que o governo poderia me dar um plano odontológico melhor?

Todos ali estão armados, e você é só mais um. Eu só fui atropelado, nem deveria ter uma cama. No máximo uma esteira de palha, feita por idosas que moram nas filas. Já existe time de futebol composta apenas por idosos da fila, os “Meninos de Ouro” tem muita história e tradição. Idosas que fazem artesanato seria uma coisa nova.

Não consegui comer aquela coisa que ficava no meu prato, uniforme. Eu trabalho em uma papelaria, mas eles pensaram que eu tinha caído de algum foguete, da NASA e me ofereceram uma comida digna de um astronauta. Tentei novamente:

— Por favor, acho que falo por todos quando digo que é impossível comer isso.
— Tem certeza?
— Tenho.

A mulher assoviou, e em alguns segundos apareceu um cachorro. Já não sabia se estava em um hospital ou em um açougue. Ela então pôs meu prato no chão. O cachorro começou a comer como se fosse um banquete real com lagostas e vinho do porto.

— Não é mais impossível, vossa majestade. – Dizia a enfermeira exibindo um sorriso inquietante.
— Mas ele é um cachorro.
— Uma cadela.
— Tanto faz.
— Tanto faz não. A fêmea tem uma coisa que o macho não tem...
— Ah, que nojo, como fica dizendo isso num hospital?
— A fêmea tem instinto de mãe.
— Ah, não quero saber o sexo do cachorro, nem se ele já participou do programa das grávidas do Drauzio Varella. Eu quero comer algo.
— Acho que ainda há tempo de fazê-la vomitar...
— Está louca? Quero algo que esteja quente.
— Eu estou quente. – Insinuou.
— Eu estou fervendo.
— O hospital não me permite ter relacionamentos com pacientes.
— Estou fervendo de raiva de você.
— Agora que você morre de fome mesmo, seu arruaceiro. Fica aí atravessando sinais, agora quer Sushi no almoço. Me poupe.
— Tá, tudo bem. Você me arruma algo para comer, e eu lhe pago.
— Me mostre o dinheiro.
— Bem, eu perdi... Mas daqui a pouco minha mãe chega com o dinheiro. Prometo.
— Daqui a pouco começa Vale a Pena Ver de Novo. Nazaré vai se jogar da ponte. Tchau.
— Espera, espera. Por favor, eu juro que vou te pagar. Se eu não pagar você põe chumbo na minha bolsa de soro.
— Fechado.

Ela então sai do quarto. Volta minutos depois, dizendo:

— Daqui a pouco o cozinheiro faz pra você. Ele está em uma cirurgia delicada no momento.

(Crônicas que minha professora não leu)

6 Cafezinhos:

Déia disse...

Ui, fantástico!!

E qual foi o "menu"?? Fígado ao molho sangria? rs

bj

Jééh disse...

kkkkkkkkkkkk ri alto, nossa tremo só em pensar que posso passar mal e ser mandada pra um desses lugares :S

muito bom mesmo o texto ^^

Érica Ferro disse...

HASUASUASHAUS

Ei, tua professora perdeu muuuuita coisa não lendo essas crônicas! =P

Fernanda Tavares disse...

hahahahaaa

tomara que as colheres da cozinha não sejam utilizadas na cirurgia!

ou que haja algum sabão por lá...

Almi Junior disse...

Haha, é que pela minha falta de tempo, estou postando cronicas que já foram escritas, mas já vou pensar em algo inédito. Obrigado a voces. :)

Natacia Araújo disse...

kkkkkkkkkk essa eu já conhecia! Uma das tuas melhores!