sábado, 12 de dezembro de 2009

Depoimento de um paquistanês

Voz mortal:
Eu era homem-bomba também. Quero dizer, sou. Não me disseram se depois que a gente morre a gente continua sendo o que era antes. Porque tudo é “até a morte”.
“Você será meu marido até a morte”. “Você será homem-bomba até a morte”.
Então acho que não sou nada. Nem homem-bomba eu sei se era. Porque não me deixaram ser.
Difícil. Difícil mesmo foi me explodir naquela segunda-feira, em Peshawar.
Nem se explodir é fácil hoje em dia. Você tem que esperar o aquecimento global te matar primeiro.
Comecei cedo. Apareci no mercado, abri a jaqueta e falei em voz alta:
– Que todos sintam o poder de Allah!
E uma velhinha que comprava Corega, virou-se e me perguntou:
– E você é Allah?
– Sou um enviado dele!
– Como assim “dele”? Que intimidade toda é essa que você tem com o todo poderoso Allah?
– Er... Eu sou um enviado do todo poderoso Allah! E vocês vão sentir o seu poder!
– Abaixa sua bola, bebê. Você não é enviado de Allah coisa nenhuma! Você é mais um dos vendedores baratos da Allah Celulares que eu sei, e já veio abrindo a jaqueta pra mostrar um desses tijolos aí.
Todos no mercado riram de mim. Zombaram de mim. Me humilharam. E a velhinha parecia o cão chupando romã, rindo.
– Você não sabe com quem está falando!
– É mesmo, tem cartão?
– Não... Eu não preciso disso, afinal, vou morrer agora. Todos vão morrer agora!
– Ih, já sei. É daqueles que anunciam o fim dos tempos.
– Eu não anuncio o fim dos tempos, anuncio o fim do meu tempo, que é agora!
– Meu filho, seu tempo acabou mesmo. O vendedor tem que tentar convencer um cliente em menos de 5 minutos. Você já gastou 7.
– Não sou vendedor!
– Tá, comerciante, tanto faz. Mas olha aqui, você começou mal, bebê. Abrindo a jaqueta, gritando... Tem que ser mais simpático, chegar sorridente, entendeu? Mostrar confiança e segurança.
– Minha senhora, eu já lhe falei...
– Não, bebê, eu que lhe falei! Agora vá pra outro lugar e tente de novo. Lembre-se: Confiança e segurança!
Todos aplaudiram a maldita velhinha do Corega. Eu não.
Saí de lá e resolvi ir para um lugar mais importante. Já entrei no banco gritando e abrindo a jaqueta:
– Espero que todos ouçam a mensagem que eu vim trazer!
Na mesma hora um homem que trabalhava no banco veio e me tocou o ombro, dizendo com a maior educação do mundo:
– Amigo você não pode vender seus celulares aqui. Sinto muito.
Eu continuei gritando:
– Não sou seu amigo, nem vendo celulares!
– Tudo bem, acalme-se. Mas o senhor vai ter que vender seus telefones moveis em outro lugar.
– Vocês não me levam a sério, não é verdade? Eu vou explodir!
– Por favor, eu que já estou explodindo com o senhor. Ou o senhor se retira, ou teremos que chamar a segurança.
– Pra mim chega, esse é o nosso fim!
E um homem realmente forte me agarrou e me jogou para fora do banco. Mais uma vez, todos aplaudiram.
Revoltado, cansado e triste, resolvi seguir os conselhos da velhinha do Corega.
Cheguei educadamente no tribunal daqui, cumprimentei os policiais, as pessoas que estavam lá dentro, advogados, todos. Todos me receberam muito bem e isso foi muito bom. Senti que nada poderia dar errado. Pedi um minuto da atenção de todos e retirei uma bomba da jaqueta. Quando abri a boca para anunciar as palavras de Allah um homem me interrompeu dizendo:
– Tudo bem, nós deixamos o senhor atender seu celular, mas tem que ser lá fora.
E antes que eu dissesse alguma coisa ele conduziu até a porta e me deixou lá, sorridente.
Saí mais triste do que entrei, e um menininho paquistanês me abordou enquanto eu estava sentado, próximo ao tribunal:
– Perdeu, perdeu, passa o celular! – E me apontava um pedaço de vidro.
Tomou da minha mão sem dizer nada, rindo, como todo malandrinho paquistanês. Alguns passos depois ele explodiu. E me explodiu. E explodiu mais algumas pessoas.
Ele nem queria ser homem bomba e mesmo assim conseguiu ser.
O senhor entendeu?

Voz divina do alto
:
- Entender, eu entendi. Mas as virgens são dele, desculpe.

17 Cafezinhos:

Átila Goyaz disse...

Como diz o S. Santos

Muito bem bolado hein?

Parabéns aí..rachei de ri!

Ana Wants Revenge disse...

*rindo muitoooo*

beijos e bom fds pra todos! :)
.
.
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Natacia Araújo disse...

kkkkkkkkkkkkkk

Morrer assim é tenso heim...
Perdeu as virgens e teve que se conformar no céu com as mocinhas rodadas.

Demais Almi!!!

Rafael Sperling disse...

Vocês ainda tão precisando de um escritor?? Parece que na quarta ta vago...?

O Taiyo Omura está interessado em participar. limitedapalavra.blogspot.com

Ele é muito bom, estuda cinema, faz teatro e é poeta...

É isso aí!
Abraço

Rafael Sperling disse...

Ah, claro, ele mandou dizer que escreve prosa também, apesar do blog dele ser mais de poesia...

Edina Regina Araújo disse...

kkkk Muito bom Almi!

Ser homem bomba hoje em dia não tá fácil não!

Jorge Oliveira disse...

wawawa Homem bomba tá sem espaço no mercado de trabalho.

Do caralho AlmiRRRRRR

Jorge Oliveira disse...

Rafael, a quarta está vaga sim, mas já temos um novo membro para substituir o Cristiano que saiu.
A gente aceita com maior prazer textos e blogs pra guardarmos pra futuramente eh só mandar pro fluoxetinacomcafe@hotmail.com com nome e blog.
Abração!

sarah disse...

o texto irônico mais bem bolado e genial que já li. parabéns, de verdade!

Luciana Brito disse...

Muito bom!

Até homem-bomba tá sofrendo hoje em dia kkkkkkkk

Beijo!

Marcelo Mayer disse...

me passa o número desse cara?

Ferdi disse...

HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA

Que judiação.
Explodiu e nada de virgens pra você, meu caro.

Acontece..

Lelê disse...

UAhuAHHAuHAuHAUhUA
adorei!!!!!!!

bjos

Equilibrista disse...

Eu também não consigo me explodir tão fácil assim.
Ningém deixa!!

Érica Ferro disse...

Eita Almi massa! ;)

Ninguém deixa o homem explodir, cacete! KKKKKKKKKK

:*

Ale Danyluk disse...

É...pois é....bobeou , dançou.

Parabéns Almi.Seus diálogos são sempre surpreendentes. Me vi alí na arquibancada da cena.
Bjo

Nine disse...

Ri demaiisssss!!!!
hasuahushaushuahsu

Problemas até para ser homem bomba!
kkkkkkkkkkkk

Muito bom o texto!

beijoO.